26/10/2012 11h11 – Atualizado em 26/10/2012 11h11
“O futebol é do povo”: Um ensaio de bricadeiras
Por: Gil
Esta semana, durante o programa Quatro Em Campo da Rádio CBN – que tenho por hábito acompanhar – o bom comentarista Paulo Massini disparou, quando da temática sobre o esvaziamento dos estádios no Brasil:
- O futebol é do povo!
Massini se referia à suposta elitização que o esporte atravessa no país, com aumento das entradas e arquibancadas cada vez menos frequentadas. De fato, segundo levantamento da Folha de S.Paulo, os ingressos ficaram 18,9% mais caros em 2012 – saindo de R$ 20,10 para R$ 23,9 até a 30ª rodada do Brasileirão.
A grande questão é: seria correta a cruzada em prol da redução dos preços tendo como justificativa o fato de que as elites não seriam as verdadeiras “usuárias” do futebol? Colocada nestes termos, a sentença soa um tanto demagógica, me levando a discordar de suas premissas. Entretanto, ao final chegarei às mesmas conclusões, meramente separadas pelos argumentos utilizados.
Quem acompanha o Blog Teoria dos Jogos sabe que não costumo utilizar a primeira pessoa, ao que peço licença pela exceção. Na condição de colunista de marketing esportivo, fica difícil dissociar o futebol de sua condição de negócio. Até por isto, na maioria das vezes entendo que o objetivo dos clubes deva ser a maximização das receitas*. Assim, é imprescindível que se conheça de maneira aprofundada as características da demanda por ingressos. Que se conheça melhor o torcedor brasileiro.
Um paralelo: o evento UFC Rio 3, ocorrido há duas semanas no Rio de Janeiro, arrecadou nada menos que US$ 2,5 milhões (R$ 5 milhões) entre 16.844 pagantes. Um ticket médio de quase R$ 300. É correto que se projete isto para o futebol? A resposta, logicamente, é não. Eventos do UFC ocorrem de maneira bissexta, acrescentando um caráter de escassez que o futebol semanal não possui. Ao mesmo tempo, as lutas se passam em um ginásio (HSBC Arena) que representa o estado da arte em termos de conforto e modernidade – ao contrário dos nossos mal tratados estádios**. Há ainda questões relacionadas à infra estrutura de transportes, estacionamento, segurança e qualidade do espetáculo, como abordaremos adiante.
Isto quer dizer que esporadicamente o futebol não possa elevar seus ganhos de maneira substancial? Não só pode como deve. O Grêmio anunciou ingressos incrivelmente caros para a inauguração de sua arena, em amistoso com o Hamburgo-ALE (entre R$ 96 e R$ 960!). Pela ocasião especial, é improvável que sua torcida não abrace a causa, proporcionando novo recorde de renda em gramados brasileiros. Partidas da Seleção também representam oportunidades. E vivem lotadas, apesar de todas as críticas que remetem à destinação dos recursos (cofres da CBF) e ao “afastamento do torcedor”.
Então o que seria errado? Não pesar os motivos que levam ao esvaziamento, desconsiderando que parte do problema passa justamente pelo bolso. Um bom exemplo vem de Botafogo e Vasco, respectivamente segundo e terceiro colocados em termos de ticket médio no Brasileirão (R$ 31 e R$ 29). O clube da Estrela Solitária é apenas o 14º no ranking de público, enquanto o cruzmaltino é 16º – ambos abaixo de 10 mil pagantes por jogo. Haja vista que interações entre oferta e demanda culminam no preço do bem ou serviço, está obviamente equivocada a manutenção destes valores pelos dois clubes.
Como já foi dito, a questão é complexa e às vezes envolve fatores menos contornáveis – como a tendência das torcidas a deixarem os estádios nas fases ruins. Como o futebol aqui praticado não é um espetáculo de craques e gramados perfeitos (como na Europa), o êxodo das arquibancadas é algo contra o qual se torna mais difícil lutar. Anteontem, o próprio Vasco da Gama reduziu preços em São Januário (de R$ 40 para R$ 20), auferindo pouco resultado. Ainda assim, a sensibilidade ao “fator $” é inegável. Flamengo e Fluminense melhoraram suas médias no Engenhão justamente quando perceberam isto.
Diante de tudo, concluo que valores devem ser mexidos para baixo sim. Não porque “o futebol é do povo”, mas quando algumas das circunstâncias acima forem identificadas como redutoras da assiduidade. E a lógica contrária também se aplica, não sendo em nada obscena ou imoral. Preços devem ser inflados na medida da propensão ao consumo – e o fator-renda é protagonista em tempos de explosão do poder aquisitivo. Afinal, há três séculos já dizia Adam Smith: “Não é pela benevolência do açougueiro, do cervejeiro ou do padeiro que esperamos nosso jantar, mas da consideração de que eles tem seu próprio interesse”.
Há que se falar em “maximização de receitas” para os clubes, e não exatamente em “maximização de lucros”, como apregoa a ciência econômica no âmbito da “Teoria da Firma”
** Soa inevitável que, com a construção de novos e modernos estádios para a Copa-2014, a melhoria das condições em níveis inéditos reflita no valor médio dos ingressos.
Um grande abraço e saudações!
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