27/04/2016 10h09 – Atualizado em 27/04/2016 10h09
Por Coriolano Xavier, Vice-Presidente de Comunicação do Conselho Científico para Agricultura Sustentável (CCAS), Professor do Núcleo de Estudos do Agronegócio da ESPM.
A corrupção sistematizada pode ter atingido o agronegócio, e justo em um fundamento social de política para o campo. Por ordem do Tribunal de Contas da União a reforma agrária foi paralisada em todo o país, neste início de abril, depois da identificação de mais de 578 mil beneficiários irregulares no programa. A suspensão vale para assentamentos atuais ou futuros, desapropriações e concessões de crédito em andamento¹.
Coisas que se descobriu: 1.017 políticos receberam lotes do programa, fora das regras de renda que definem o acesso à terra – entre vereadores, deputados, vice-prefeitos, prefeitos e senador. Pela auditoria do TCU, aparentemente há entre eles gente de alto poder aquisitivo, até com carros de valor próximo ao meio milhão de reais. Concretamente, eles abocanharam um pedaço da esperança de vida melhor de muitas famílias da base social camponesa.
A auditagem também aponta para cerca de 27 mil beneficiários ganhando acima do teto exigido para acesso à terra – entre eles gente com renda superior a 20 salários mínimos, além de 38 mil mortos atendidos pelo instituto, sendo mais de mil falecidos antes da concessão. Segundo estimativa do Tribunal, o prejuízo histórico e acumulado dessas irregularidades, em todo o País, pode ser de R$ 159 bilhões, em valores revisados e atualizados com base em dados do IBGE. Sem contar o prejuízo social presente e futuro, pois havia uma previsão de 120 mil assentados de 2016 a 2019.
Coisas assim ainda assustam. Não só pelos valores envolvidos, mas também pela falta de cidadania, generosidade social, ética e responsabilidade que representam. É gente que não tem olhar de futuro; talvez nem mesmo pense na viabilidade da própria descendência, ao longo das gerações, pois ao fazerem esses malefícios estão socializando e projetando o impacto negativo da sua atitude.
Se alguém achar que isso é pouco, então que pense no ralo financeiro. Um dinheiro como esse dos prejuízos históricos estimados a valores atuais pelo TCU (R$ 159 bilhões), se confirmado, representaria o equivalente a 40 orçamentos do Programa Nacional de Alimentação Escolar, que foi de R$ 3,9 bilhões em 2015, para beneficiar 42 milhões de estudantes². Ou então teria dado para construir 28 mil quilômetros de estradas de ferro, a preços de 2014³.
São cinco milhões de propriedades rurais no Brasil, mais de 200 milhões de toneladas de grãos na safra, recorde sobre recorde ano a ano, evolução acelerada na produção animal, superávit de exportação sempre salvador. Gente que tem olhar de futuro e vai para o futuro. Enquanto isso, malfeitores agem, sorrateiramente.
Esse tipo de coisa precisa ser esmiuçado, saneado. Até para não contaminar a percepção pública do produtor, que está entre as profissões mais respeitadas pela sociedade, pois as pessoas percebem que ele assegura alimento e bioenergia de qualidade para todos. Sem lengalenga: é preciso passar a limpo muitos aspectos da vida brasileira. Buscar a sustentabilidade ética, também.
(1) O Estado de S. Paulo, edição 07/04/16, pág. A10, “TCU paralisa reforma agrária no País”
(2) Programa Nacional de Alimentação Escolar (PNAE), do Fundo Nacional de Desenvolvimento da Educação (FNDE), in www.fnde.gov.br
(3) Fórum Estadão Brasil 2018, in economia.estadao.com.br – “Malha ferroviária do Brasil é a mesma do império” – G. Bambini, ANTF (valor em dólar, convertido com câmbio de 06/04/16)