17/02/2020 19h19 – Atualizado em 17/02/2020 19h19
Por: Gazeta do Campo
Alexandre J. Cattelan e Décio L. Gazzoni
Pesquisadores da Embrapa
Na busca por um Estado menor e mais eficiente, e em momentos de déficit orçamentário, a discussão sobre a privatização de empresas estatais tem ocupado as manchetes. No caso específico do agronegócio, alguns advogam que não se justifica mais o Estado investir em pesquisa pública, pois o setor privado pode dar conta do recado! Será que é isso mesmo?
Antes da vigência da Lei de Proteção de Cultivares – LPC (1997), o material genético (cultivares, variedades e híbridos) disponível era majoritariamente desenvolvido por instituições públicas, sendo poucas as empresas privadas que investiam no setor, quase todas de capital nacional. Não havia interesse das empresas multinacionais em investir na atividade em função da impossibilidade de cobrança de royalties.
Com a promulgação da LPC cresceu o interesse dessas empresas pelo mercado brasileiro. Com isso, aumentou a concorrência e a oferta de materiais genéticos, o que foi bom para os produtores. No entanto, nos últimos tempos, a maioria das empresas nacionais foi adquirida pelas grandes corporações, resultando na concentração em poucas grandes empresas multinacionais, diminuindo a concorrência.
A principal implicação dessa concentração, além do aumento do preço da semente e dos insumos em geral, é que o produtor ficou refém de pacotes tecnológicos comerciais. Muitas vezes, para ter acesso à semente de uma determinada cultivar de sua preferência, ele tem que adquirir um conjunto de insumos que nem sempre é o mais indicado para o seu caso.
A pesquisa pública procura desenvolver materiais genéticos que sejam resistentes às principais doenças e pragas. Em decorrência, reduz-se a necessidade de aplicação de agrotóxicos. Uma organização privada, por outro lado, estará mais focada em ofertar soluções que garantam a sobrevivência do seu negócio e dificilmente investirá em tecnologias que não tenham apelo comercial direto. Esse é o caso de práticas de manejo cultural, conservação do solo ou culturas de pouca expressão comercial. A pesquisa pública, por sua vez, se preocupa com a integração de todos os aspectos do sistema produtivo, incluindo as culturas que não são commodities, independentemente de sua natureza.
O lucro proveniente do investimento público acontece na lavoura de cada produtor e se materializa na mesa do consumidor. Isso ocorre através do aumento da oferta de alimentos mais baratos e de melhor qualidade nutricional. Ocorre, também, através da preservação ambiental e do crescimento do PIB nacional. E, no final, com o aumento da produção agrícola e do lucro dos produtores, o Tesouro se ressarce – com sobras! – dos investimentos efetuados pelo aumento da arrecadação tributária. Para citar o caso da Embrapa, para cada real investido na Empresa houve um retorno de 12 reais, em 2018!
O Brasil investe em torno de 0,60% do seu PIB em pesquisa pública. Em termos relativos, está próximo dos investimentos feitos pelos países desenvolvidos, que gira em torno de 0,70%. Os investimentos feitos pelas empresas privadas em pesquisa no Brasil são semelhantes aos investimentos públicos. No entanto, nos principais países desenvolvidos, incluindo a China e os tigres asiáticos, os recursos privados são duas a três vezes maiores que os recursos públicos! Essa é a grande diferença entre o Brasil e esses países. A parcela mais sofisticada da pesquisa é efetuada nos países onde as empresas estão sediadas, mantendo o segredo industrial nesses países (e o consequente recebimento de royalties pelos produtos). Nos demais, ocorre uma pesquisa adaptativa, que exige menor investimento financeiro. Outro aspecto crucial, especialmente em relação à agricultura, é que a tecnologia desenvolvida em países de clima temperado muitas vezes não se adequa às condições tropicais do Brasil.
Cabe destacar que o século XXI está sendo marcado pelo desenvolvimento de tecnologias disruptivas, que mudam o balanço das vantagens competitivas dos atores do ambiente produtivo atual. Tecnologias de última geração permitem produzir competitivamente no deserto; o desenvolvimento da fotossíntese artificial vai permitir produzir em condições de baixa oferta de radiação solar; novas técnicas de produção de alevinos e de nutrição de peixes e crustáceos permitem à aquacultura deslocar o pescado tradicional e agora disputam o mercado de outras proteínas animais tradicionais, só para citar algumas. Esses são temas que estão na fronteira do conhecimento e que necessitarão da pesquisa pública para seu desenvolvimento.
Ou seja, a redução do investimento em inovação tecnológica significa um suicídio econômico para o Brasil, que pode matar a sua galinha dos ovos de ouro: o agronegócio competitivo.
Por: Alexandro Santos
Fonte: jornal Correio Braziliense