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sexta-feira, 22 de novembro de 2024
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A recente disputa tributária do ICMS está gerando incerteza jurídica para o setor do agronegócio.

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A questão envolvendo débitos e créditos de ICMS (Imposto sobre Operações relativas à Circulação de Mercadorias e sobre Prestações de Serviços de Transporte Interestadual e Intermunicipal e de Comunicação) é uma grande preocupação de longa data dos grandes contribuintes que atuam no agronegócio e que possuem filiais em vários estados da Federação, especialmente a partir da vigência da Lei Kandir (LC 87/1996).

Com o aumento de demandas no judiciário questionando a legalidade da tributação do ICMS nas operações de transferências interestaduais, o STJ tentou pacificar a questão ainda no ano de 1996 e declarou não haver incidência do imposto nas operações de transferência entre estabelecimentos situados em outros estados e do mesmo titular, editando a Súmula 166. No entanto, nada tratou acerca do reflexo do creditamento do imposto nessa mesma operação, ou seja, a orientação do judiciário acabou restrita ao “débito” do imposto (não destaque).

De lá para cá, dada a forte resistência dos Estados ao cumprimento da Súmula 166 (não exigir o destaque do ICMS nas transferências interestaduais), empresas ligadas ao agronegócio tiveram que recorrer ao judiciário, pois continuavam sem saber qual decisão acatar. Toda essa instabilidade jurídica (judicial e administrativa), exigiu o dispêndio de horas e um custo elevado na construção de um planejamento tributário adequado, vez que cada estado possui regramento próprio, tanto para o débito, concedendo inúmeros incentivos, quanto para o crédito do ICMS, o que na maioria das vezes, está condicionado à tributação efetiva da cadeia anterior. Aqui está o ponto mais sensível para o agronegócio que, historicamente, possui um tratamento especial na maioria dos estados, mediante a concessão de desonerações variadas, desde a produção rural, até a atividade da agroindústria.

Tamanha instabilidade jurídica desaguou no STF no ano de 2017, mediante a propositura da Ação Declaratória de Constitucionalidade (ADC) 49, pelo estado do Rio Grande do Norte, que objetivou a declaração de constitucionalidade acerca da incidência do ICMS nas operações de transferência de mercadoria. Naquele período, o estado sustentou que estabelecimentos, ainda que do mesmo contribuinte, são considerados autônomos, o que justificaria a incidência do ICMS em transferência, inclusive em operações interestaduais, e inaugurou a discussão quanto ao destino do crédito apurado nessa mesma operação (operação anterior).

Em 2021, o Supremo Tribunal Federal (STF) julgou por unanimidade a improcedência do pedido formulado na ADC 49, declarando a inconstitucionalidade dos artigos 11, §3º, II, 12, I, no trecho “ainda que para outro estabelecimento do mesmo titular”, modulando os efeitos dessa decisão até 31/12/2023, restando delegado ao Congresso Nacional, a edição de Lei Complementar apta a regulamentar esses efeitos, tanto do débito, quanto do crédito.  

Resumidamente, a ADC49 trouxe para a mesa do STF, após 27 anos da Lei Kandir,  a necessidade de decisão sobre o equilíbrio entre o crédito e benefícios concedidos nas aquisições desse contribuinte transferente, e uma transferência sem o destaque do imposto para outro estado.

Antecipando esse movimento, o Conselho Nacional de Política Fazendária (Confaz) saiu na frente e publicou em novembro do ano passado o Convênio 174/23, que nasceu com inúmeras críticas em razão de pontos conflituosos com a ADC 49. O Convênio estabeleceu, a partir de 1º/01/2024, a obrigatoriedade do lançamento do débito do ICMS e da transferência do crédito da operação anterior para o estado de destino da mercadoria, além da previsão da manutenção de benefícios concedidos pelo estado de origem.

Face às críticas, por meio do Ato Declaratório 44/2023, o Confaz publicou a rejeição integral do Convênio 174/23, motivada pela quebra do acordo por parte de alguns estados, iniciada pelo Rio de Janeiro. O convênio 174/2023 foi substituído posteriormente pelo Convênio 178/2023 (1º/12/2023), que manteve as previsões anteriores via Confaz e inaugurou em definitivo uma nova guerra fiscal de ICMS. Dessa vez a discussão é sobre onde deverá ser mantido o crédito devido nas remessas em transferências interestaduais, como deverá ser calculado, e especialmente, o reforço à dúvida sobre eventuais efeitos colaterais, como a obrigação de estorno de benefícios concedidos pelo estado de origem.

Como o agronegócio atua diretamente com investimentos e operações interestaduais, essa insegurança provocada pelo Confaz mobilizou o setor e outras entidades de classe de tal modo que o assunto teve um desfecho acelerado em Brasília, resultando na sanção pelo Presidente Lula da Lei Complementar 204 no dia 28.12.23 (oriunda do Projeto de Lei Complementar 116/23), nas vésperas do recesso legislativo.

Com isso, enfim a Lei Kandir foi atualizada pela LC 204/23 e passou a prever que a partir de 1º/01/2024, além da não incidência do ICMS sobre as transferências de mercadorias entre estabelecimentos do mesmo contribuinte, fica assegurada a manutenção do crédito relativo às operações e prestações anteriores em favor do contribuinte, inclusive nas hipóteses de transferências interestaduais em que os créditos serão assegurados (i) pelo estado de destino, por meio de transferência de crédito, limitados aos percentuais estabelecidos para alíquotas interestaduais, (ii) pelo estado de origem, em caso de diferença positiva entre os créditos pertinentes às operações e prestações anteriores e o objeto de transferência.

Ocorre que alguns estados, a exemplo de São Paulo, iniciaram a internalização do Convênio 178/23 antes da publicação da LC 120/23, gerando incerteza quanto às regulamentações envolvendo o crédito. Enquanto que outros estados iniciaram a internalização mais recentemente, como o Paraná ( via Decreto 4.709/2024), contudo, desconsiderando as previsões da LC 204/23 e trazendo pontos duvidosos quanto à apuração do crédito, reflexos no ICMS ST e emissão da nota fiscal.

Por tal razão, na reta final de 2023, o Confaz publicou emergencialmente os Convênios de 225/2023 e 228/2023, além da Nota Orientativa 01/2024, tudo para acalmar os contribuintes e orientar que mantenham a tributação e emissão dos documentos fiscais conforme práticas adotadas em 2023, até que sobrevenham regulamentações mais precisas, com prazo limite em abril de 2024. 

Para o agronegócio, resta uma insegurança jurídica extremamente preocupante, pois inúmeras cooperativas e agroindústrias realizaram nos últimos anos expressivos investimentos e forte expansão dos negócios, mediante abertura de filiais em outros estados, tudo isso considerando o destaque do ICMS nas transferências e sem a preocupação de efeitos colaterais nas desonerações anteriores concedidas pelos estados onde possuem matrizes e de ondem partem as mercadorias produzidas.

O receio está no risco de alguns estados se sentirem prejudicados (eventual queda na arrecadação do ICMS ou migração de negócios para outros estados) e adotarem práticas arbitrárias, mediante abertura de fiscalizações ou cobranças em face das grandes agroindústrias e cooperativas do país, em razão do cálculo do crédito que será objeto de transferência para os estados de destino, dos compromissos firmados previamente em regimes especiais, da aplicação de diferimento condicionado e demais incentivos previstos em regulamentos.  

Exemplo maior está concentrado nos estados de Tocantins, Piauí e Maranhão, que estão em destaque na produção e escoamento de grãos para todo o Brasil.

Frente a todo esse impasse, é importante que as entidades de classe atuem fortemente em Brasília, seja no âmbito do Congresso Nacional que está concentrado na edição das Leis Complementares responsáveis pelas regras de transição e a nova carga tributária objeto da Reforma tributária aprovada em 2023, o que inclui a futura extinção do ICMS, como também a participação efetiva no atual debate e alinhamento no Confaz, entidade que tem a missão de equilibrar os interesses entre todos os 26 estados e DF e de criar uma regulamentação eficiente desse novo instituto (repasse dos créditos das operações de transferências interestaduais para o estado de destino).

O fato é que esse novo instituto pode infelizmente representar aumento na carga tributária estadual, aumento de custos com adequações fiscais, com novos litígios judiciais e administrativos e, ainda, num retrocesso social em face dos estados com baixa atividade agroindustrial.

Mas, a depender da espécie de mercadoria e estados envolvidos, o fim do destaque do ICMS e início da remessa do crédito para o estado de destino, pode representar também uma harmonização benéfica na carga tributária estadual do segmento, daí a importância de uma imediata revisitação do planejamento tributário adotado pela empresa (passado e futuro).

Nesse sentido, é essencial que as empresas contem com uma assessoria jurídica e fiscal adequada, pois o ano de 2024 deverá ser marcado pela multiplicação de litígios judiciais, o que requer muita cautela com “o que” será demandado no judiciário e “contra qual estado demandar”, sob pena de haver uma precariedade técnica nas decisões judiciais e a antecipação de problemas na esfera administrativa (fiscalização e tributação arbitrárias) com diversos estados.

A única certeza que se tem até o momento é que o tema está longe de uma pacificação, pois, mesmo após a extinção do ICMS em decorrência da reforma tributária, teremos muitas discussões envolvendo créditos acumulados do imposto e temos até abril deste ano para conferir a solução adotada pelos estados, via Confaz, em cumprimento da decisão do STF na ADC 49.

Leilaine Pereira, advogada especialista em direito tributário e sócia do Martinelli Advogados no Paraná

Fonte: Assessoria de imprensa do Martinelli Advogados

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