O setor de biocombustíveis brasileiro está passando por um ano de significativos aportes financeiros, motivados pela necessidade de uma transição energética. Em 2024, as empresas envolvidas já anunciaram investimentos que somam pelo menos R$ 42 bilhões, conforme estudos realizados por diversos agentes do mercado solicitados pela reportagem.
Esses recursos estão destinados exclusivamente à infraestrutura industrial, excluindo os fundos voltados para o setor agrícola.
O etanol de milho se destaca nesse cenário. Segundo a União Nacional do Etanol de Milho (Unem), estão em andamento investimentos totalizando R$ 15,8 bilhões, com projetos que já se encontram em etapas avançadas de construção ou em processo de licenciamento e início das obras. Essas iniciativas abrangem estados como Mato Grosso, Mato Grosso do Sul, Goiás, Bahia, Tocantins, Pará, Paraná e Rio Grande do Sul, com expectativa de conclusão até 2026.
Além disso, há também aportes relevantes voltados para a ampliação de fábricas já existentes e a construção de novas unidades destinadas à produção de biodiesel, biometano, etanol celulósico e açúcar. “O setor de bioenergia está atento às oportunidades proporcionadas pela transição energética que envolvem diversas rotas de produção”, afirma Guilherme Nolasco, presidente da Unem.
Para Nolasco, o projeto de lei Combustível do Futuro, em tramitação no Senado, que propõe o aumento da mistura de biodiesel e etanol, além de mandatos para biometano e bioquerosene de aviação (SAF), sinaliza ao setor privado que os biocombustíveis são uma prioridade do país na transição energética.
No caso do biodiesel, a Associação Brasileira das Indústrias de Óleos Vegetais (Abiove) estima que os investimentos em expansão e construção de novas unidades este ano alcancem R$ 6 bilhões, conforme projeções do final do ano passado.
Já no etanol de segunda geração (E2G) e no biogás, os investimentos em andamento somam R$ 3 bilhões. As empresas do setor de cana também estão ampliando sua produção de açúcar, com melhorias nas unidades existentes e a instalação de novas fábricas, totalizando R$ 4,2 bilhões em investimentos, de acordo com a consultoria FG/A, de Ribeirão Preto.
Esses valores não incluem os investimentos nas lavouras para renovação dos canaviais e das frotas, que representam a maior parte dos custos e somam dezenas de bilhões de reais, segundo a FG/A.
A expansão da indústria de etanol de milho reflete, em parte, a estratégia das usinas de cana-de-açúcar, que nos últimos anos priorizaram a produção de açúcar, devido à maior rentabilidade dessa commodity em comparação ao etanol. Isso abriu espaço para que a indústria de milho garantisse o fornecimento de etanol ao mercado, explica Juliano Merlotto, sócio da FG/A.
Muitos dos investimentos em processamento de milho para a produção de biocombustíveis são realizados por usinas de cana em busca de diversificação. Um exemplo é a CerradinhoBio, que primeiro investiu em uma linha anexa à sua usina de cana para processamento de milho em Chapadão do Céu (GO) e agora está construindo uma usina dedicada exclusivamente ao milho em Maracaju (MS).
A produção anual do milho, em contraste com a necessidade de investimentos mais elevados nas lavouras de cana para a expansão do etanol de primeira geração, é outra vantagem que impulsiona o crescimento do etanol de milho, observa Nolasco, da Unem.
Por outro lado, os aportes em biodiesel continuam mesmo diante de uma capacidade ociosa de 42% nas indústrias em operação. Segundo dados da Agência Nacional do Petróleo, Gás Natural e Biocombustíveis (ANP), o Brasil conta com 59 unidades industriais instaladas, com dez em processo de ampliação e oito em construção.
“Não há necessidade imediata de aumento de capacidade. Os investimentos atuais estão baseados em expectativas de antecipação do aumento da mistura e na maior adoção do B100 [biodiesel puro] em frotas cativas, como as da Amaggi e da JBS”, explica Julio Minelli, diretor da Associação dos Produtores de Biocombustíveis do Brasil (Aprobio).
Em novembro de 2023, grandes tradings como Cargill, Bunge, ADM, Cofco, Amaggi e Louis Dreyfus (LDC) anunciaram investimentos de US$ 10 bilhões nos próximos anos no Brasil. Esses recursos serão direcionados principalmente ao esmagamento de soja e à produção de biocombustíveis.
Fora do levantamento da ANP, destaca-se o projeto do Grupo Potencial, que prevê um investimento de R$ 1,7 bilhão na construção de uma nova usina em Lapa (PR), com capacidade de 900 milhões de litros de biodiesel por ano e previsão de início das operações em 2026.
Enquanto isso, o setor de cana-de-açúcar praticamente não investe no aumento da capacidade de produção de etanol de primeira geração. Uma das poucas empresas a anunciar tal investimento foi a CMAA, que em abril informou que destinará R$ 3,5 bilhões para elevar sua capacidade industrial de 10 milhões para 18 milhões de toneladas até 2033.
Recentemente, a BP Bunge também anunciou um aporte de R$ 530 milhões para ampliar a capacidade de moagem de cana e a produção de etanol em sua unidade em Pedro Afonso, Tocantins.
No entanto, os investimentos no setor de cana estão mais concentrados no etanol de segunda geração, feito a partir de bagaço e palha, liderados principalmente pela Raízen, que tem quatro plantas de E2G em construção e outras três em fase de projeto.
Outra área de destaque nos investimentos do setor é a produção de biogás e biometano. A Associação Brasileira de Biogás (Abiogás) informa que suas associadas planejam aumentar a capacidade de produção em 7 milhões de metros cúbicos de biometano por dia até 2029, o que exigirá investimentos de R$ 7 bilhões.
Atualmente, o setor tem autorização da agência reguladora para vender 417 mil metros cúbicos por dia e aguarda aprovação para mais 1,6 milhão de metros cúbicos diários de capacidade.
“Os grandes investidores não estão mais focados em energia elétrica, pois os retornos não são mais atraentes. A tendência é que os projetos de menor porte sejam voltados para a geração de biogás [para energia], enquanto os maiores estarão focados no biometano [como combustível veicular]”, afirma Renata Isfer, presidente da Abiogás.
Fonte: Portal do Agronegócio