30/06/2014 13h38 – Atualizado em 30/06/2014 13h38
Ministro do STF vota contra a portaria que demarca terra em MS
Gilmar Mendes usou os mesmos critérios do julgamento Raposa Serra do Sol para considerar ilegal portaria do Ministério da Justiça que demarcou área de 11.404 hectares em Caarapó
Por: Gazeta do Campo
O ministro Gilmar Mendes, da Segunda Turma do Supremo Tribunal Federal, votou contra a portaria do Ministério da Justiça que demarcou 11.404 hectares, envolvendo 26 propriedades rurais, algumas delas com apenas 5 alqueires, no município de Caarapó. Como a ministra Cármen Lúcia, que é relatora de ação originária que trata da área reivindicada pelos guarani-kaiowá, pediu vistas do Recurso Ordinário em Mandado de Segurança (RMS) 29087, a decisão final que pode extinguir a demarcação ficou adiada para o segundo semestre.
No processo, Avelino Antonio Donatti, proprietário de uma das áreas atingidas pela portaria, questiona declaração de sua fazenda como sendo de posse imemorial (permanente) da etnia guarani-kaiowá, integrando a Terra Indígena Guyraroká. “Foi uma importante vitória, mesmo porque já sabemos que a ministra Cármen Lúcia, que pediu vistas, também segue o marco temporal estabelecido no julgamento da Raposa Serra do Sol, ou seja, são consideradas terras indígenas apenas aquelas que estavam ocupadas na data da promulgação da Constituição Federal de 1988”, argumenta o advogado Cícero Alves da Costa, que representa o proprietário na ação.
O ministro Gilmar Mendes apresentou seu voto-vista, por meio do qual divergiu do relator do processo, ministro Ricardo Lewandowski, que vota no sentido de negar provimento ao recurso. O advogado Cícero José da Costa acredita que ao final do julgamento conseguirá reverter decisão do Superior Tribunal de Justiça (STJ) que negou mandado de segurança contra a portaria do Ministério da Justiça. Em seu voto, o ministro Gilmar Mendes deu provimento ao recurso para declarar a nulidade de ato do ministro da Justiça, consubstanciado na Portaria 3.219, de 7 de outubro de 2009. Segundo o ministro, o próprio laudo da Funai aponta que os índios não tinham posse da terra na data da promulgação da Constituição de 1988 (5 de outubro de 1988) e que viveram na região há mais de 70 anos, ou seja, não havia posse tradicional da terra.
Gilmar Mendes considera que, embora a decisão do STF na Petição 3388, que envolve a Terra Indígena Raposa Serra do Sol, em Roraima, não tenha efeitos vinculantes, é necessário que a jurisprudência das instâncias ordiná-rias e do STF se adapte a esse julgado, no qual a Corte estabeleceu uma série de fundamentos e salvaguardas institucionais relativos à demarcação de terras indígenas, como o marco temporal da ocupação (5/10/88) e a necessidade de o processo envolver Estado e municípios afetados, entre outros. “O objetivo principal dessa delimitação foi procurar dar fim às disputas infindáveis sobre terras entre índios e fazendeiros, muitas das quais bastante violentas, como sabemos”, ressaltou o ministro.
Na visão de Gilmar Mendes, se ainda assim a União entender que uma aérea deve integrar determinada terra indígena deve desapropriá-la e não invocar historicamente uma posse indígena imemorial para resolver a questão no âmbito de um processo demarcatório, que é excepcional e que tem pressupostos. “A orla de Copacabana certamente foi povoada de índios em algum momento, mas isso não significa que os prédios da Avenida Atlântica possam ser resgatados hoje em favor de alguma etnia”, comparou.
Para o deputado estadual Zé Teixeira, que tem propriedade na área atingida pela portaria, o voto do ministro Gilmar Mendes faz Justiça. “Não existe área invadida pelos produtores e, tampouco, esse negócio de Terra Indígena Guyraroká”, afirma o deputado. “Essa história foi criada pela Funai e pelo Cimi para fazer com que o Ministério da Justiça incorresse em erro e editasse a portaria que agora será cancelada pelo Supremo Tribunal Federal”, aposta o parlamentar. “Ademais, se existisse terra invadida como a Funai e o Ministério Público Federal tentam fazer crer, a própria Justiça já teria determinado a reintegração de posse em favor da União e o que vemos é a possibilidade dessa portaria ser extinta em virtude do gigantesco volume de erros e vícios que possui”, conclui.
Zé Teixeira explica que a área de 11.404 hectares atingida pela portaria do Ministério da Justiça é formada por propriedades legítimas, tituladas pelo governo do Estado na época da colonização. “A maioria dos títulos tem mais de 60, 70, 80 anos e todos foram registrados nos cartórios durante o período em que o governo federal incentivava a abertura de uma nova fronteira agrícola”, explica. “Os títulos de propriedade foram emitidos pelo governo mediante o pagamento por parte do produtor rural, então não há que se falar em área invadida ou terra indígena”, ressalta. “O que não pode é a Funai alegar posse imemorial para tirar a propriedade das pessoas com base em laudos fajutos assinados pela Associação Brasileira de Antropologia, mesmo porque não precisa de estudo antropológico para saber que na época do descobrimento do Brasil apenas índios habitavam as terras”, finaliza.
ENTENDA O CASO
Em 7 de outubro de 2009 o Ministério da Justiça baixou a Portaria 3219 e mandou a Funai demarcar as terras particulares da Fazenda Cana Verde, de Avelino Antonio Donatti e de mais vinte e cinco outras propriedades particulares ao pretexto de constituírem a Terra Indígena Guyraroka em Caarapó. Avelino ingressou com Mandado de Segurança no Superior Tribunal de Justiça (STJ) visando anular a citada Portaria Ministerial, que foi indeferido ao fundamento de que a demarcação indígena envolve fatos e provas e não ofensa a direito líquido e certo exigido pela ação mandamental.
Dessa decisão coube Recurso em Mandado de Segurança ao Supremo Tribunal Federal que ficou sob a relatoria do ministro Ricardo Lewandowski. Agora, no seu voto, o ministro Gilmar Mendes adotou como razões de decidir: o próprio laudo da Funai que aponta que os índios não tinham posse da terra há mais de 70 anos; o marco temporal da decisão de Raposa Serra do Sol tem que ser vinculante a todos outros casos; a habitação indígena pretérita não se presta para identificar as terras indígenas do artigo 231 da Constituição Federal; o processo demarcatório indígena não preenche os pressupostos da Lei; a União deve desapropriar e pagar pelas terras que vier declarar de ocupação indígena. “Enfim, a decisão quebra o paradigma do STJ de não aceitar que a demarcação indígena em terras particulares constitui sim ofensa a direito líquido e certo passível de mandado de segurança”, observa o advogado Cícero Alves da Costa.
Fonte: Jornal O Progresso