24/06/2015 10h58 – Atualizado em 24/06/2015 10h58
Quando o produtor rural Valdo Vieira corria pelos campos do Instituto de Pesquisas Veterinárias Desidério Finamor (IPVDF) durante sua infância, não imaginava que um dia pudesse se beneficiar diretamente das pesquisas ali desenvolvidas. Filho de servidor, Vieira nasceu e morou no Instituto até os 18 anos. Hoje, é dono de terras em Guaíba e Lavras do Sul, onde cria gado da raça Braford. E, há 15 anos, aplica a pesquisa desenvolvida na Fepagro Saúde Animal – IPVDF – “Epidemiologia e controle do carrapato em bovinos”.
E no que consiste o projeto? Quem explica é o pesquisador responsável pelo Laboratório de Parasitologia da Fepagro Saúde Animal, João Ricardo Martins. Segundo ele, o comportamento do carrapato bovinoRhipicephalus (Boophilus) microplus foi estudado durante as diferentes épocas do ano, em suas fases parasitárias e não-parasitárias, identificando-se os períodos críticos que possam recomendar táticas que minimizem o parasitismo e auxiliem em seu controle.
A pesquisa foi desenvolvida no IPVDF, em parceria que envolveu um projeto de cooperação técnica com o governo britânico, apoio do CNPq e do governo do Estado. “A difusão dessas informações, associada ao conhecimento da sensibilidade das diversas populações aos carrapaticidas disponíveis, tem sido uma tarefa desafiadora e permanente, a qual tem sido discutida com produtores e técnicos que atuam no campo”, esclarece Martins.
O pesquisador da Fepagro conta que o produtor Vieira vem aplicando essa informação em seu manejo sanitário, usufruindo da aplicação prática de um resultado de pesquisa direcionada a uma demanda da cadeia produtiva da bovinocultura, uma das atividades econômicas mais importantes do agronegócio gaúcho.
De acordo com Vieira, antes de se beneficiar da orientação técnica da Fepagro, seu gado perdia em crescimento e peso, devido ao estresse do manejo sanitário mais seguido. “Antes, os animais iam mais vezes à mangueira para serem tratados, o que reduzia sua produção. A gente primeiro tinha que ver o carrapato, para depois combatê-lo. Agora, com o manejo estratégico, aplicamos o carrapaticida indicado antes da manifestação. E o manejo caiu pela metade”, comenta.
Vieira acredita que o trabalho desenvolvido pela Fepagro é fundamental para reduzir os custos do produtor. “E aumentando a produtividade, aumenta a economia do Rio Grande do Sul”, acredita.
Seminário Regional de Ciência e Tecnologia da Região da Serra
O pesquisador Martins abordou esse tema recentemente no Seminário Regional de Ciência e Tecnologia da Região da Serra, em Bento Gonçalves. Ele palestrou sobre “O controle estratégico do carrapato dos bovinos: um desafio aos produtores”.
Ele afirmou que o carrapato comum dos bovinos, Rhipicephalus (Boophilus) microplus, representa o maior interesse econômico entre as parasitoses. “Estimam-se perdas anuais superiores a 3,9 bilhões com esse parasito no Brasil. O controle deste ectoparasito é motivo de grandes preocupações para os bovinocultores, direcionando a atenção por parte de órgãos governamentais, indústria química e instituições de ensino e pesquisa”, explanou.
Disse também que os carrapaticidas químicos ainda representam as principais ferramentas utilizadas para o controle efetivo dos carrapatos. “Entretanto, ao longo dos anos, os carrapatos foram capazes de sobreviver à maioria dos produtos químicos utilizados para controlá-los, fenômeno denominado de resistência”. Embora haja consenso de que os carrapaticidas não ofereçam uma solução permanente para o problema, eles ainda são essenciais a curto e a médio prazos. Relatos de resistência aos carrapaticidas foram registrados em todas as regiões do mundo onde a espécie R. (B.) microplus representa um problema econômico. Em termos gerais, a escolha e o uso dos acaricidas baseia-se na pressão do mercado comercial, não havendo suficientes informações técnicas.
Para o pesquisador, a implementação de estratégias de controle que visem diminuir a probabilidade da emergência da resistência contra os carrapaticidas existentes deve ser considerada em qualquer programa de controle que venha a ser adotado. Em sua opinião, os fatores que influenciam significativamente esta decisão estão relacionados com a frequência, época de tratamentos, escolha e uso corretos dos carrapaticidas. Por outro lado, a rotação dos produtos com diferentes princípios ativos, em contraponto ao uso sucessivo de um único princípio ativo até o seu esgotamento, ainda não tem sido suficientemente testado como medida para se recomendar uniformemente este procedimento.
“Entretanto, na prática, tem sido uma ferramenta útil e recomendada no enfrentamento em situações onde a resistência tem sido detectada. Da mesma forma, os tratamentos parciais com a intenção de manutenção de ‘refúgios’ (populações sem tratamentos em esquemas táticos) para diluir os genes resistentes também necessitam reavaliações, no que se refere ao controle do carrapato”.
Em consequência, não se dispõe de uma sugestão única para retardar o aparecimento da resistência. As recomendações, segundo Martins, para contornar este problema e adiá-lo são baseadas em algumas prerrogativas:
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Faz-se necessário diminuir ao máximo o uso de químicos para controlar os carrapatos e, quando possível, evitar o uso desnecessário;
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No caso de não haver alternativa, o uso de carrapaticida adequado deve ser baseado em informações epidemiológicas, expondo os produtos disponíveis a um número mínimo de indivíduos dentro de um esquema de controle estratégico, por exemplo;
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Considerar o uso de diferentes ingredientes ativos em esquemas de rotação de tratamentos e, quando possível, a introdução de algumas medidas que possam melhorar o controle (raças mais resistentes, limpeza e descanso de pastagens, por exemplo);
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Adotar uma política educacional que possa estimular apoio oficial é indispensável;
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Além disso, deve-se estimular que, periodicamente, seja feito um monitoramento, através de testes carrapaticidas in vitro, do comportamento das populações de carrapatos frente aos carrapaticidas em uso.
“O controle do carrapato não deve ser baseado em uma única alternativa, ainda que o uso do tratamento químico seja a opção viável e comprovadamente eficaz”, alerta.
Para o pesquisador, a dependência dos químicos e a questão do impacto ambiental, aliadas aos custos e ao surgimento dos problemas de resistência, encaminham à necessidade de pesquisas e outras formas de controle. Neste aspecto, a ecologia oferece informações básicas para o uso de outros instrumentos na tentativa de melhorar o controle dos carrapatos, como, por exemplo, indicando as épocas mais apropriadas para tratamento em determinada região. O uso de raças mais resistentes, descanso e rotação de pastagens, e os recentes avanços nos métodos imunológicos, são medidas que, no contexto com a aplicação dos químicos acaricidas, formam o que se denomina controle integrado de parasitas.
“O caminho para tratar carrapatos, em termos práticos, deve ter por objetivo reduzir a população ao longo das sucessivas gerações e, como consequência, reduzir a necessidade de uso dos químicos”, sugere.
Fonte: Fepagro